Propostas que taxam o agro geram celeuma

A apresentação de duas propostas estaduais que taxam o agronegócio, em Goiás e no Paraná, causaram celeuma esta semana e, consequentemente, os celulares de tributaristas acostumados a aconselhar empresários do setor não pararam de tocar.


Similares, os dois projetos de lei sugerem a criação de fundos alimentados por percentuais recolhidos da produção e comercialização de cadeias do agro. Em Goiás, a proposta da instituição do Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra) partiu do governador Ronaldo Caiado (União Brasil). No Paraná, a sugestão foi do governador Ratinho Júnior (PSD). Ambos acabaram de ser reeleitos com o apoio do campo.


Traição


Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), Caiado e Ratinho enfrentaram forte resistência do agro – com direito a tumulto em sessão legislativa goiana. O setor, um reduto bolsonarista, sentiu-se “traído”. O Fundeinfra, de Goiás, foi aprovado na noite de quarta-feira e prevê a cobrança de até 1,65% da produção agrícola, pecuária e mineral, o que pode render R$ 1 bilhão por ano. O dinheiro será destinado à infraestrutura, e não passará pelo cofre do Tesouro estadual. Segundo o secretário-geral de Goiás, Adriano da Rocha Lima, a verba vai para a autarquia responsável por obras públicas.


A gestão dos recursos ficará a cargo de um conselho formado por representantes públicos e de iniciativa privada do agro, disse. Após a aprovação do fundo pelos deputados estaduais, o próximo passo é a elaboração do decreto que regulamentará a cobrança em cada segmento. Goiás vai taxar soja, milho e cana.

“Será aberto um diálogo para modular a cobrança do modo mais assertivo possível”, disse Lima ao Valor. Segundo ele, a cobrança vai compensar o impacto no caixa estadual da redução de ICMS em algumas áreas, como combustíveis.


“É uma forma de o setor contribuir com algo que, no fim, voltará para o próprio produtor. Se as estradas melhoram, há benefício logístico e de queda de custos”, defendeu.


Estratégia antiga


A formação de fundos que taxam o setor para ampliar o caixa de Estados não é uma estratégia recente. Existe desde 1999, quando foi criado o Fundo e Desenvolvimento do Sistema Rodoviário de Mato Grosso do Sul (Fundersul). Em 2000, nasceu o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) de Mato Grosso – o maior, por incidir sobre o maior Estado agrícola do país. Este fundo tem servido como referência para estruturas similares criadas depois.


O Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial do Maranhão foi aprovado em 2005, e o Fundo Estadual de Transporte do Tocantins é de 2019. Na maior parte dos casos, a verba recolhida vai para projetos de infraestrutura, obras e logística.


Além da cobrança de taxas sobre produtos agropecuários, os fundos têm outros pontos em comum, como a definição de que as contribuições não são obrigatórias. Mas, como estão atreladas à concessão de benefícios fiscais nos Estados, tributaristas questionam esse aspecto.


Mais um ponto em comum entre os fundos é a estrutura de gestão do dinheiro. Eles geralmente são conduzidos por conselhos de administração que podem contar com a participação de entidades privadas.

O advogado tributarista Marcelo Guaritá, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá, disse que as contribuições para os fundos costumam ser exigidas como contrapartida de algum incentivo, benefício, regime de apuração ou diferimento fiscal.


Esse vínculo leva tributaristas a entenderem a cobrança dessas taxas como uma espécie de “imposto disfarçado”. O problema dos fundos que taxam o agro, reiteram os críticos, não é a busca por receita para políticas públicas, mas a forma como está sendo feita essa busca.


“Esses fundos são uma ficção jurídica. Não são tratados como tributos, então não estão sob a égide de legislação tributária ou orçamentária”, disse Guaritá. Segundo ele, que já integrou o Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, é como “assinar um cheque em branco” para os governadores.


“Fora da caixa”


Para Guaritá e outros tributaristas consultados pelo Valor, os Estados encontraram uma maneira de arrecadar “fora da caixa” das regras tributárias para se livrarem de amarras de recolhimento e aplicação.


Guaritá reiterou que há uma série de princípios constitucionais que pautam a arrecadação de tributos no país. “Impostos precisam ser divididos com prefeituras, por exemplo. Em Mato Grosso, parte dos recursos vai para o Legislativo e até associações privadas recebem. Se fosse tributo, não funcionaria assim”, disse o advogado.

Mesmo os termos – taxa, imposto, contribuição – não poderiam ser empregados nestas arrecadações. É que cada um deles têm um significado diferente no sistema tributário e estão sujeitos a regras distintas, complementa Henrique Erbolato, sócio do Santos Neto Advogados.


Em Mato Grosso, onde está em vigor o Fethab, que arrecadou mais de R$ 2,7 bilhões em 2021, o recolhimento da contribuição varia de 0,03% a 11,5% da Unidade Padrão Fiscal do Mato Grosso (UPF), dependendo do produto. Nesse Estado, a contribuição do agro é recolhida sobre soja, milho, algodão, feijão, madeira e gado. Vale destacar que o valor bruto de produção do agro no Estado ronda R$ 200 bilhões anuais.


A contribuição não é obrigatória, mas em Mato Grosso está vinculada à isenção de ICMS. Se um exportador de soja optar por não contribuir com o fundo, ele terá que antecipar o valor de ICMS para o Estado, e será restituído apenas depois de concretizado o embarque da carga.


Por causa da possibilidade de restituição, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não há compulsoriedade. A Corte analisou a cobrança do Fethab no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). “No fim, é uma questão de fluxo de caixa”, opinou o secretário goiano Adriano da Rocha Lima.


Para os críticos, não é tão simples. “Ocorre que isso [como a cobrança funciona] leva um contribuinte a preferir entregar um pouquinho para o fundo a ter que enfrentar todo um processo burocrático para ter de volta um dinheiro que antes [do surgimento do fundo] não precisava desembolsar [ICMS na exportação]”, afirmou Erbolato, do Santos Neto.


João Reis, sócio do Machado Meyer Advogados, acrescentou que a cobrança acaba causando distorções na cadeia que afetam a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. “Existem outros caminhos para compensar as perdas de receitas nos Estados, como em Goiás. Há projetos legislativos que têm soluções alternativas e podem ser discutidos no Congresso Nacional, porque envolvem a União”.


Mas o debate no Supremo sobre o Fethab não está encerrado. A tônica é sobre a constitucionalidade. “A Constituição tem uma disposição que diz que não cabe a nenhum Estado restringir as hipóteses de imunidade tributária”, disse Erbolato.


O tema foi analisado pelo tributarista Heleno Torres, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O parecer de Torres sustenta que a legislação do Fethab não pode condicionar o benefício fiscal a um recolhimento. “Em outros termos, a ameaça de revogação da não tributação das operações de exportação esbarra na vedação dessa tributação”, diz o parecer.


“É flagrantemente inconstitucional”, continua o texto. Além do pagamento de ICMS, exportadores são isentos pela Constituição de ISS, IPI, PIS/Cofins e outras contribuições.


Entre os autores de pelo menos três ADIs apresentadas ao Supremo estão a Abiec, entidade que reúne frigoríficos, e um braço estadual da Aprosoja. Duas delas aguardam avaliação do ministro Gilmar Mendes.


Caso o Supremo decida no futuro que a cobrança do Fethab foi indevida, por exemplo, não há garantia de que o dinheiro será devolvido. É que questões que envolvem devolução de grandes quantias são sujeitas à invocação, pelos Estados, do argumento de prejuízo financeiro ao caixa. “Ainda que daqui a alguns anos julguem que a cobrança não poderia ter ocorrido, os Estados podem invocar essa questão para conseguir que a cobrança seja válida a partir da decisão”, disse o sócio do Santos Neto.


Mesmo que a decisão de uma ADI valha para todos, advogados têm orientado clientes a acionarem a Justiça individualmente. “O contribuinte que ficou quieto esperando a decisão da ADI pode se livrar do pagamento dali para a frente, enquanto quem acionou a Justiça individualmente antes garantiu o direito. É como o Supremo tem entendido”, explicou Henrique Erbolato.


A turbulência pode ser boa para os escritórios, mas não para o ambiente de segurança jurídica, reconhecem especialistas. Diante do cenário na via jurídica, os movimentos de pressão política organizados pelo setor neste momento seriam a alternativa mais eficiente para brecar uma possível onda de novos fundos dessa natureza que possam ser instituídos, na opinião de especialistas.


Fonte: BeefPoint, 25/11/2022.

26 de novembro de 2025
O Lucro da Exploração é um incentivo fiscal estabelecido por legislação com mais de 40 anos de vigência, regido pelo Decreto Lei 1.598 e pela MP 2.199, aplicável a empresas que possuam projetos protocolizados e aprovados para instalação, ampliação, modernização ou diversificação na SUDAM ou SUDENE até dezembro de 2028. O incentivo principal concedido é a redução de 75% do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), incluindo adicionais não-restituíveis, por um período de 10 anos, para projetos enquadrados em setores prioritários. Para se qualificar, a Pessoa Jurídica deve apurar o Lucro Real e ter o empreendimento situado na área da SUDENE (ou SUDAM) com pleito aprovado e enquadramento em setores prioritários, conforme o Decreto 4.213/2002 e atos do CONDEL/SUDENE. O benefício do LEX gera um impacto imediato no caixa e possibilita a recuperação dos últimos 5 anos. No entanto, a complexidade da apuração do Lucro da Exploração, que deve ser baseada apenas nas atividades operacionais incentivadas, exige uma análise minuciosa que vai além da simples aplicação do percentual de redução. LEX e Lucro Real: as complexidades da base de cálculo A apuração do Lucro da Exploração se distingue do Lucro Real, pois visa isolar o resultado proveniente da atividade incentivada. Enquanto a lógica do Lucro Real é buscar a menor base para o menor débito, no cálculo do LEX, o objetivo é, muitas vezes, buscar a maior base possível para maximizar o benefício. O cálculo do LEX é feito a partir do lucro líquido do período-base, ajustado por adições e exclusões específicas. Essas adições e exclusões não são necessariamente as mesmas do Lucro Real, e a correta aplicação dos critérios pode gerar oportunidades significativas de incremento no benefício. A aplicação prática e a maximização desse benefício exige uma análise profunda e multifacetada, não se trata apenas de aplicar uma regra geral, mas de interpretar nuances da legislação e da operação da empresa que podem revelar créditos e oportunidades inéditas. A necessidade de análise proativa Empresas que se beneficiam do LEX são, em geral, grandes corporações que demandam uma análise cautelosa devido aos valores expressivos envolvidos. A adaptação das regras contábeis e fiscais para otimizar a apuração do LEX exige um planejamento estratégico e uma compreensão profunda das nuances legislativas e da jurisprudência . Garantir o compliance e, ao mesmo tempo, maximizar a redução de 75% do IRPJ demanda a aplicação de metodologias de cálculo que considerem as especificidades de cada incentivo (como o tratamento das subvenções e o recálculo do adicional). A capacidade de identificar e aplicar essas oportunidades interdependentes representa uma vantagem competitiva crucial.  Metaforicamente , lidar com a legislação do Lucro da Exploração e seus incentivos associados é como pilotar um navio em águas complexas: a rota principal (a redução de 75%) é conhecida, mas o verdadeiro valor e a eficiência da viagem residem em identificar e aproveitar as correntes marítimas e ventos favoráveis (as oportunidades diferenciadas) que exigem um know-how especializado para serem plenamente capitalizadas.

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